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Desincompatibilização. TSE. Presidente de Junta Administrativa de Recursos de Infração.

“Informativo TSE



Assessoria Consultiva do Tribunal Superior Eleitoral (Assec)



Brasília, 21 de maio a 3 de junho – Ano XX – nº 8



 



 



“Recurso Especial Eleitoral nº 141-42/CE



Relator originário: Ministro Herman Benjamin



Redator para o acórdão: Ministro Luiz Fux



Ementa: ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. ART. 1º, II, d, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. SERVIDOR PÚBLICO. PRESIDENTE DE JUNTA ADMINISTRATIVA DE RECURSOS DE INFRAÇÃO. PRAZO DE SEIS MESES. INTERESSE INDIRETO OU EVENTUAL EM ARRECADAÇÃO OU FISCALIZAÇÃO DE TRIBUTOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL.



1. A desincompatibilização objetiva a coibir a interferência do exercício de cargos e funções na Administração Pública em prol da campanha política de determinado candidato, com vistas a preservar a igualdade de oportunidade entre os players do processo eleitoral, a lisura do pleito, a legitimidade e a normalidade da representação política.



2. A desincompatibilização consiste na faculdade outorgada ao cidadão para que proceda à sua desvinculação, fática ou jurídica, de cargo, emprego ou função, públicas ou privadas, de que seja titular, nos prazos definidos pela legislação constitucional ou infraconstitucional, de maneira a habilitá-lo para eventual candidatura aos cargos político-eletivos (FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 142-143).



3. A ratio essendi do art. 1º, II, d, da Lei Complementar nº 64/90 consiste na proteção do processo eleitoral contra a ingerência eleitoreira de agentes públicos que desempenham atividades de constrição pecuniária dos indivíduos em favor do Estado, como sói ocorrer com aqueles que têm competência ou interesse no lançamento, arrecadação e fiscalização de impostos, taxas e contribuições de caráter obrigatório, inclusive parafiscais, ainda que de forma indireta e eventual.



4. A estrutura normativa da disposição sub análise franqueia amplo espaço de discricionariedade ao magistrado eleitoral para apurar in concrecto o atendimento da exigência de desincompatibilização, dadas a vagueza, a abstração e a abertura semântica de expressões como “interesse”, “indireta” e “eventual” nela contidas, impondo-se, como contrapartida, a estrita convergência com o telos subjacente ao instituto e a vedação de elastérios hermenêuticos, em homenagem à parêmia que restrições a direitos fundamentais devem ser interpretadas restritivamente.



5. In casu, as funções exercidas pelos membros de Junta Administrativa de Recursos de Infrações – JARI, atinentes a julgamentos das penalidades de trânsito, podem ter relação, ainda que indireta e eventual, com a fiscalização de débitos tributários, bem como aplicar multas relacionadas a essas atividades, exatamente como descrito no art. 1º, II, d, da Lei Complementar nº 64/90.



6. Vislumbram-se, ao menos, duas situações em que essa atividade indireta de fiscalização e arrecadação ocorre.



6.1 Na primeira delas, quando da apresentação de defesas e da interposição de recursos, hipótese em que:



a) o procedimento previsto na legislação de trânsito para a interposição de recursos e defesas em face de autuações de infrações exige dos interessados a apresentação, entre outros documentos, da cópia do Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV), consoante plasmado no art. 5º da Resolução nº 299/2008 do CONTRAN.



b) para a expedição do Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo, faz-se necessária a apresentação de alguns documentos, tais quais: comprovante do licenciamento do ano anterior, comprovante de pagamento de IPVA do ano anterior e do ano vigente, comprovante de pagamento do seguro obrigatório (DPVAT) e de multas relacionadas ao automóvel.



c) somente é possível a expedição de Certificado de Registro do Veículo, e sua renovação, bem como a emissão de Certificado de Licenciamento do Veículo, anualmente exigida, quando o



PUBLICADOS NO DJEInformativo TSE – Ano XX – nº 8 6



automóvel não estiver onerado por débitos fiscais nem por multas de trânsito e ambientais, consoante a Lei nº 9.503/97:



d) destarte, faz-se mister que, entre outras obrigações, os débitos fiscais estejam quitados para o julgamento dos recursos interpostos perante a JARI da análise dos documentos a eles acostados pelos interessados, e, especificamente em relação ao CRLV.



6.2 Na segunda delas, quando do julgamento de recurso manejado contra a imposição de penalidade de trânsito decorrente do descumprimento da regra: aqui, obriga-se o motorista a portar o Certificado de Licenciamento Anual, considerando que o porte do CRLV é obrigatório e que a inobservância a essa regra configura infração de trânsito passível de penalidade de multa. Daí por que, se, numa situação hipotética, o condutor de veículo automotor transitar sem o porte desse documento (devido à ausência de quitação dos débitos fiscais, por exemplo) e for abordado e autuado por agente de trânsito, somente poderá recorrer caso comprove a inexistência de aludidos débitos e, consequentemente, a regularidade do Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo.



7. Em ambas as hipóteses, caso (i) não juntados os documentos obrigatórios para recorrer ou (ii) não comprovada a regularidade fiscal relativa a veículo automotor, poderão os membros da JARI rejeitar os apelos ofertados, resultando em imposição de multa às partes insurgentes, subsumindo-se à parte final do dispositivo eleitoral em comento (“... ou para aplicar multas relacionadas com essas atividades”).



8. Diante dessas situações, forçoso concluir que os membros da Junta Administrativa de Recursos de Infrações ostentam interesse, ainda que indireto, na fiscalização e arrecadação de impostos (v.g. IPVA), outrossim na imposição de multa decorrente dessas atividades, de maneira que a aplicação do prazo de 6 (seis) meses de desincompatibilização, previsto no art. 1º, II, d, da Lei Complementar nº 64/90, é a regra que se impõe na hipótese ora descrita.



9. No caso sub examine, o TRE/CE assentou que, em razão de as funções exercidas pelo Recorrente se enquadrarem na descrição normativa do art. 1º, II, d, da Lei Complementar nº 64/90, o prazo legal de afastamento não foi cumprido, visto que o então candidato se desincompatibilizou em 1º.6.2016, quando deveria tê-lo feito em, pelo menos, 6 (seis) meses antes do pleito.



10. Recurso especial desprovido.



DJE de 23.5.2018.”


Dr. Marcos Ramayana