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Precedente. TSE. Retotalização dos votos. DRAP. Convenções Partidárias Conflitantes. Competência da Justiça Eleitoral.

 



 



"Recurso Especial Eleitoral nº 103-80/RN



Recurso Especial Eleitoral nº 70-90/RN



Recurso Especial Eleitoral nº 123-71/RN



Ação Cautelar nº 0600515-84/RN



Petição nº 0603641-45/RN



Relator: Ministro Luiz Fux



Ementa: ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. DRAP. MAJORITÁRIA E PROPORCIONAL. RRC.



VEREADOR. RECURSOS ESPECIAIS. COLIGAÇÃO PARTIDÁRIA E TERCEIRO PREJUDICADO. REFORMA



DA SENTENÇA E ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO DOS DRAPS APÓS A ELEIÇÃO. CONSEQUÊNCIA DIRETA



NA ELEIÇÃO DE VEREADOR. RETOTALIZAÇÃO. REENQUADRAMENTO JURÍDICO. REALIZAÇÃO



DE DUAS CONVENÇÕES PARTIDÁRIAS CONFLITANTES PELO MESMO PARTIDO. COMISSÃO



PROVISÓRIA MUNICIPAL SUMARIAMENTE DESCONSTITUÍDA. INOBSERVÂNCIA ÀS NORMAS



ESTATUTÁRIAS. IMPACTOS INEQUÍVOCOS E IMEDIATOS NO PRÉLIO ELEITORAL. NECESSIDADE DE



REVISITAR A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. DIVERGÊNCIAS INTERNAS PARTIDÁRIAS, SE OCORRIDAS



NO PERÍODO ELEITORAL, COMPREENDIDO EM SENTIDO AMPLO (I.E., UM ANO ANTES DO



PLEITO), ESCAPAM À COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM, ANTE O ATINGIMENTO NA ESFERA



JURÍDICA DOS PLAYERS DA COMPETIÇÃO ELEITORAL. ATO DE DISSOLUÇÃO PRATICADO SEM A



OBSERVÂNCIA DOS CÂNONES JUSFUNDAMENTAIS DO PROCESSO. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS



DIREITOS FUNDAMENTAIS (DRITTWIRKUNG). INCIDÊNCIA DIRETA E IMEDIATA DAS GARANTIAS



FUNDAMENTAIS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO (CRFB/88,



ART. 5º, LIV E LV). CENTRALIDADE E PROEMINÊNCIA DOS PARTIDOS POLÍTICOS EM NOSSO



REGIME DEMOCRÁTICO. ESTATUTO CONSTITUCIONAL DOS PARTIDOS POLÍTICOS DISTINTO DAS



ASSOCIAÇÕES CIVIS. GREIS PARTIDÁRIAS COMO INTEGRANTES DO ESPAÇO PÚBLICO, AINDA



QUE NÃO ESTATAL, À SEMELHANÇA DA UBC. SISTEMA DE GERENCIAMENTO DE INFORMAÇÕES



PARTIDÁRIAS. POSSIBILIDADE DE REGISTROS DE ALTERAÇÕES DOS ÓRGÃOS PARTIDÁRIOS



COM DATAS RETROATIVAS. INDEFERIMENTO DE MANDADO DE SEGURANÇA, NO ÂMBITO DA



JUSTIÇA COMUM, POR AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO.



INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA MATERIAL. PROVIMENTO DOS RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO



CAUTELAR PREJUDICADA.



1. A Justiça Eleitoral possui competência para apreciar as controvérsias internas de partido político,



sempre que delas advierem refl exos no processo eleitoral, circunstância que mitiga o postulado



fundamental da autonomia partidária, ex vi do art. 17, § 1º, da Constituição da República – cânone



normativo invocado para censurar intervenções externas nas deliberações da entidade –, o qual



cede terreno para maior controle jurisdicional.



2. Ante os potenciais riscos ao processo democrático e os interesses subjetivos envolvidos



(suposto ultraje a princípios fundamentais do processo), qualifi car juridicamente referido debate



dessa natureza como matéria interna corporis, considerando-o imune ao controle da Justiça



Eleitoral, se revela concepção atávica, inadequada e ultrapassada: em um Estado Democrático de



Direito, como o é a República Federativa do Brasil (CRFB/88, art. 1º, caput), é paradoxal conceber a



existência de campos que estejam blindados contra a revisão jurisdicional, adstritos tão somente à



alçada exclusiva da respectiva grei partidária. Insulamento de tal monta é capaz de comprometer



a própria higidez do processo político-eleitoral, e, no limite, o adequado funcionamento das



instituições democráticas.



3. O processo eleitoral, punctum saliens do art. 16 da Lei Fundamental de 1988, em sua exegese



constitucionalmente adequada, deve ser compreendido em seu sentido mais elástico,



4 Informativo TSE – Ano XIX – nº 17



iniciando-se um ano antes da data do pleito, razão pela qual qualquer divergência partidária



interna tem, presumidamente, o condão de impactar na competição eleitoral.



4. A mens legis do art. 16 da Constituição de 1988 proscreve a edição de normas eleitorais ad



hoc ou de exceção, sejam elas de cariz material ou procedimental, com o propósito de obstar



a deturpação casuística do cognominado devido processo legal eleitoral, capaz de vilipendiar a



igualdade de participação e de chances dos partidos políticos e seus candidatos.



5. À proeminência dispensada, em nosso arquétipo constitucional, não se seguira uma imunidade



aos partidos políticos para, a seu talante, praticarem barbáries e arbítrios entre seus Diretórios,



máxime porque referidas entidades gozam de elevada proeminência e envergadura institucional,



essenciais que são para a tomada de decisões e na própria conformação do regime democrático.



6. O postulado fundamental da autonomia partidária, insculpido no art. 17, § 1º, da Lei



Fundamental de 1988, manto normativo protetor contra ingerências estatais canhestras em



domínios específi cos dessas entidades (e.g., estrutura, organização e funcionamento interno),



não imuniza os partidos políticos do controle jurisdicional, criando uma barreira intransponível



à prerrogativa do Poder Judiciário de imiscuir-se no equacionamento das divergências internas



partidárias, uma vez que as disposições regimentais (ou estatutárias) consubstanciam, em tese,



autênticas normas jurídicas e, como tais, são dotadas de imperatividade e de caráter vinculante.



7. A fi xação de tal regramento denota autolimitação voluntária por parte do próprio partido,



enquanto produção normativa endógena, que traduz um pré-compromisso com a disciplina



interna de suas atividades, de modo que sua violação habilita a pronta e imediata resposta do



ordenamento jurídico.



8. A postura judicial mais incisiva se justifi ca nas hipóteses em que a disposição estatutária,



supostamente transgredida, densifi car/concretizar diretamente um comando constitucional. Do



contrário, quanto menos a regra estatutária materializar uma norma constitucional, menor deve



ser a intensidade da intervenção judicial.



9. Os direitos fundamentais exteriorizam os valores nucleares de uma ordem jurídica democrática,



aos quais se reconhece, para além da dimensão subjetiva, da qual se podem extrair pretensões



deduzíveis em juízo, uma faceta objetiva, em que tais comandos se irradiam por todo o



ordenamento jurídico e agregam uma espécie de “mais-valia” (ANDRADE, José Carlos Vieira.



Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987, p. 165),



mediante a adoção de deveres de proteção, que impõe a implementação de medidas comissivas



para sua concretização.



10. A vinculação direta e imediata dos particulares aos direitos fundamentais consubstancia a



teoria que atende de forma mais satisfatória, segundo penso, a problemática concernente à



efi cácia horizontal (Drittwirkung), conclusão lastreada (i) na aplicação imediata prevista no art. 5º,



§ 1º, da CRFB/88 (argumento de direito positivo), (ii) no reconhecimento da acentuada assimetria



fática na sociedade brasileira (argumento sociológico) e (iii) no fato de que a Lei Fundamental é



pródiga em normas de conteúdo substantivo, o que se comprova com a positivação da Dignidade



da Pessoa Humana como um dos fundamentos de nossa República (argumento axiológico).



11. Sob o ângulo do direito positivo, os direitos fundamentais possuem aplicação imediata, ex vi



do art. 5º, § 1º, que não excepciona as relações entre particulares de seu âmbito de incidência,



motivo por que não se infere que os direitos fundamentais vinculem apenas e tão somente



os poderes públicos. Pensamento oposto implicaria injustifi cável retrocesso dogmático na



pacifi cada compreensão acerca da normatividade inerente das disposições constitucionais,



em geral, e daquelas consagradoras de direitos fundamentais, em especial, a qual dispensa



a colmatação por parte do legislador para a produção de efeitos jurídicos, ainda que apenas



negativos ou interpretativos.



12. Sob o prisma sociológico, ninguém ousaria discordar que a sociedade brasileira é



profundamente injusta e desigual, com milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza e



da miséria. E é exatamente no campo das relações sociais que se verifi cam, com maior intensidade,



Informativo TSE – Ano XIX – nº 17 5



os abusos e violações a direitos humanos, os quais podem – e devem – ser remediados



mediante o reconhecimento da incidência direta e imediata dos direitos fundamentais. Sem essa



possibilidade, reduz-se em muito as chances de alteração dos status quo, de promoção de justiça



social e distributiva e da redução das desigualdades sociais e regionais, diretrizes fundamentais



de nossa República (CRFB/88, art. 3º, III e IV).



13. Sob a vertente valorativa, do reconhecimento da Dignidade da Pessoa Humana como



epicentro axiológico do ordenamento jurídico pátrio exsurgem relevantes consequências



práticas: em primeiro lugar, tem-se a legitimação moral de todas as emanações estatais, as quais



não podem distanciar-se do conteúdo da Dignidade Humana, e, em segundo lugar, ela atua



como vetor interpretativo, por meio do qual o intérprete/aplicador do direito deve se guiar



quando do equacionamento dos confl itos contra os quais se defronta. Em terceiro lugar, referida



cláusula fundamenta materialmente a existência de todos os direitos e garantias, atuando como



uma espécie de manancial inesgotável de valores de uma ordem jurídica.



14. Ainda que sob a ótica da state action, sobressai a vinculação das entidades partidárias aos



direitos jusfundamentais, mediante o reconhecimento da cognominada public function theory,



desenvolvida pioneiramente nas Whites Primaries, um conjunto de casos julgados pela Suprema



Corte americana, em que se discutia a compatibilidade de discriminações motivadas em critérios



raciais, levadas a efeito em diversas eleições primárias realizadas no Estado do Texas, com os



direitos insculpidos na Décima Quarta e Décima Quinta Emendas [Precedentes da Suprema



Corte americana: Nixon v. Herndon (273 U.S. 536 (1927)), Nixon v. Concon (286 U.S. 73 (1932)), Smith



v. Allwright (321 U.S. 649 (1944)) e Terry v. Adams (345 U.S. 461 (1953))].



15. As greis partidárias, à semelhança da União Brasileira de Compositores (UBC), podem ser



qualifi cadas juridicamente como entidades integrantes do denominado espaço público, ainda



que não estatal, o que se extrai da centralidade dispensada em nosso regime democrático aos



partidos, essenciais que são ao processo decisório e à legitimidade na conformação do poder



político.



16. O estatuto jurídico-constitucional dos partidos políticos ostenta peculiaridades e



especifi cidades conferidas pela Carta de 1988 (e.g., fi liação partidária como condição de



elegibilidade, acesso ao fundo partidário e ao direito de antena, exigência de registro no TSE



para perfectibilizar o ato constitutivo etc.) que o aparta do regime jurídico das associações civis



(CRFB/88, art. 5º, XVII ao XXI), aplicado em caso de lacuna e subsidiariamente. Doutrina nacional



e do direito comparado.



17. A destituição de Convenção Partidária de nível inferior (i.e., estaduais e municipais) somente



se afi gura possível nas estritas hipóteses de inobservância das diretrizes legitimamente



estabelecidas pelo órgão de direção nacional, que é o único órgão revestido de competência



legal para proceder à anulação da deliberação e dos atos dela decorrentes, ex vi do art. 7º, § 2º,



da Lei das Eleições.



18. No caso sub examine,



a) Desde 30.7.2015, o PCdoB possuía uma Comissão Provisória no Município de Senador Georgino



Avelino/RN, com anotação regular perante a Justiça Eleitoral, cujo Presidente era José Rogério



Menino Bonfi m.



b) Em 22.7.2016, o Órgão de Direção Regional da grei partidária destituiu aludida Comissão



Provisória e, ato contínuo, instituiu nova Comissão, presidida por Roseli Maria da Costa.



c) Em 24.7.2016, a nova Comissão Provisória realizou Convenções, deliberando para integrar a



Coligação COMPROMISSO COM O POVO.



d) Em 31.7.2016, a antiga Comissão, destituída pelo Diretório Regional, realizou outra Convenção,



em que restou assentado que o PCdoB integraria a Coligação TRANSPARÊNCIA E HONESTIDADE



PARA VENCER.



e) O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte reputou válida a Convenção Partidária



realizada no dia 24.7.2016, levada a efeito pela Nova Comissão Provisória do Partido Comunista



6 Informativo TSE – Ano XIX – nº 17



do Brasil no Município de Senador Georgino Avelino/RN, em detrimento daquela ocorrida



em 31.7.2016 pela Comissão Provisória primeva, sumariamente desconstituída pelo Diretório



Regional do PCdoB.



f ) Contudo, a destituição de Comissões Provisórias somente se afi gura legítima se e somente



se atender às diretrizes e aos imperativos normativos, constitucionais e legais, notadamente a



observância das garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa.



g) A autonomia partidária, postulado fundamental insculpido no art. 17, § 1º, da Lei Fundamental



de 1988, manto normativo protetor contra ingerências estatais canhestras em domínios



específi cos dessas entidades (e.g., estrutura, organização e funcionamento interno), não imuniza



os partidos políticos do controle jurisdicional, a ponto de erigir uma barreira intransponível à



prerrogativa do Poder Judiciário de imiscuir-se no equacionamento das divergências internas



partidárias, uma vez que as disposições regimentais (ou estatutárias) consubstanciam, em tese,



autênticas normas jurídicas e, como tais, são dotadas de imperatividade e de caráter vinculante.



h) Os arts. 45 e 46 do Estatuto do PCdoB, que franqueiam o amplo exercício do direito de defesa na



hipótese de intervenção de um órgão superior naqueles que lhes são subordinados e estabelece



requisitos para a excepcional intervenção preventiva, restou fl agrantemente vilipendiado pelo



Órgão de Direção Regional, responsável pela destituição da Comissão Provisória original e que



tinha anotação regular perante a Justiça Eleitoral.



i) Além disso, consta da moldura fática do aresto hostilizado que a destituição da Comissão



Provisória fora levada a cabo pelo Órgão de Direção Regional, em franco desatendimento ao



art. 7, § 2º, da Lei das Eleições, circunstância que desautoriza as conclusões a que chegou o



Regional Eleitoral potiguar.



19. O terceiro prejudicado tem legitimidade para interpor recurso se demonstrar que a decisão



sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial possui aptidão para atingir direito de que



se afi rme titular.



20. Ex positis, dou provimento aos recursos especiais interpostos pela Coligação Transparência



e Honestidade para Vencer e por Jorge Motta da Rocha, de forma a determinar que seja feita a



retotalização dos votos da eleição proporcional do Município de Senador Georgino Avelino/RN,



considerando o Partido Comunista do Brasil – PCdoB como integrante da Coligação Transparência



e Honestidade para Vencer (DRAP nº 70-90. 2016.6.20.0066), e julgo prejudicada a AC nº 0600515-



84.2017.6.00.0000/RN (PJE), proposta com o objetivo de atribuir efi cácia suspensiva aos recursos



especiais ora julgados.



DJE de 30.11.2017"


Dr. Marcos Ramayana